ARTIGO

Quando o acesso financeiro não é suficiente

 

Marcelo Tangioni, Presidente da Mastercard Brasil 

Em um grande passo em frente para a inclusão financeira, cerca de 75% da população mundial agora tem acesso a serviços bancários como cartões de débito, cartões pré-pagos ou pagamentos em tempo real. Um melhor acesso às ferramentas significa que estamos mais próximos de criar uma economia digital que sirva para todos.

Ao mesmo tempo, enfrentamos uma grande barreira para alcançarmos o objetivo da inclusão universal. Apesar de terem acesso, muitos consumidores não utilizam serviços financeiros. O que falta é a confiança de que necessitam para se engajarem plenamente com o sistema financeiro e com os produtos que podem melhorar as suas vidas.

Em um estudo recente, a Mastercard fez parceria com a plataforma brasileira de serviços financeiros digitais Nubank para entender por que exatamente esse aumento em termos de  acesso não correspondeu a um aumento no uso pelo consumidor. Com quase 220 milhões de habitantes, o Brasil é o país mais populoso da América Latina e o sétimo mais populoso do mundo, e ultrapassou grande parte do continente em termos de inclusão financeira, tornando-o um bom lugar para estudar esta jornada.

Para entendermos melhor os desafios, entrevistamos e pesquisamos 2 mil clientes do Nubank e consumidores brasileiros. Também estudamos análises de três anos de dados transacionais e comportamentais de mais de 3,6 milhões de clientes do Nubank que abriram suas contas entre 2019 e 2021. 

A primeira conclusão importante: quando os consumidores usam seus cartões pré-pagos ou pagamentos em tempo real com frequência, isso aumenta a familiaridade e a confiança. A confiança gera mais utilização, acelerando ainda mais a inclusão das pessoas no sistema financeiro. Na verdade, descobrimos que o uso consistente de pagamentos digitais é um melhor indicador da saúde financeira do que a renda.

Em segundo lugar, descobrimos que uma boa tática para trazer mais pessoas para o sistema financeiro é começar aos poucos. Fazer pagamentos com cartões pré-pagos serve como um trampolim para o acesso ao crédito, seja em cartão de crédito, empréstimos pessoais ou produtos financeiros mais avançados, como um empréstimo comercial ou ainda uma conta de investimento.

Mais de três quartos (80%) dos clientes que utilizavam cartão pré-pago o utilizavam como produto preferido, enquanto 67% desses usuários de cartão passaram a ter acesso a produtos de crédito e 36% a realizar investimentos. Usar cartões para transações diárias, em vez de apenas para a compra de itens caros, teve o maior impacto porque as pessoas foram gradualmente criando o hábito. Assim como adquirir o hábito de fazer exercícios, tudo aquilo que é lento, gerenciável e constante tende a persistir.

É verdade que, para alguns consumidores, é difícil começar. Mas descobrimos que, com um pouco de apoio, as pessoas acabam por se sentir encorajadas. Independentemente do nível de renda, dentro de um prazo de 24 meses, 60% dos clientes do Nubank passaram de ter acesso a ferramentas financeiras para efetivamente utilizá-las. Para 40% das pessoas, isso levou apenas 12 meses.

Todos nós – bancos, governos, prestadores de serviços financeiros e empresas de tecnologia de pagamentos – temos a responsabilidade de construir confiança e estimular mais pessoas a utilizarem os serviços a que têm acesso. Fazemos isso por meio da criação de iniciativas de educação financeira e de alfabetização digital que explicam melhor a função e o valor dos instrumentos de pagamento digitais.

Ao mesmo tempo, precisamos continuar a construir uma infraestrutura que ajude as pessoas a abandonar o dinheiro vivo. À medida que mais micro e pequenos empresários que operam próximos de populações de baixa renda aceitem pagamentos digitais, os consumidores passam a utilizar seus cartões com mais frequência, construindo assim confiança. Os pagamentos digitais também precisam estar prontamente disponíveis em situações mais cotidianas, como no transporte coletivo. 

As instituições financeiras, os bancos e as fintechs podem ampliar o acesso ao crédito, eliminando as complexidades do engajamento e explorando fontes de dados alternativas (por exemplo, na pontualidade de pagamentos de aluguéis ou de serviços públicos) e caminhos mais rápidos para o crédito. Por último, os bancos precisam continuar a explorar dados comportamentais para desenvolver soluções para os mais desfavorecidos e priorizar a resiliência dos clientes e a educação financeira. Por exemplo, incentivos automatizados para pagamento de contas podem encorajar hábitos financeiros saudáveis.

Este trabalho não será fácil, mas é fundamental. Cerca de 1,4 bilhões de adultos em todo o mundo ainda não possuem acesso a produtos bancários e centenas de milhões de outros não dispõem de serviços bancários suficientes. Trabalhando juntos, podemos mudar isso, garantindo que o acesso seja realmente correspondente ao uso. Nesse processo, mais pessoas se tornarão mais resilientes aos choques econômicos, as suas comunidades terão suporte e, em última análise, deveremos ver um impacto positivo no crescimento global.

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Marcelo Tangioni, President, Mastercard Brazil

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